quarta-feira, 2 de maio de 2012

LIBERDADE É OBEDIÊNCIA


“A imaginação é o único campo em que um homem é realmente livre”
Domingos de Oliveira

Liberdade é escolha. Mas a escolha consiste em abrirmos mão de todas as outras possibilidades possíveis, exceto aquela escolhida. De certa forma, a escolha limita a liberdade. Por isso, a liberdade é um conceito ilusório: ela é muito mais um desejo do homem do que uma realidade. Trata-se de um paradoxo: escolher é fundamental para construir a liberdade, mas limita o ato de ser livre.
Liberdade é escolher e renunciar
Essa possibilidade, esse além do real, é o vazio, é o nada. Pois para o homem ser algo, para ele reconhecer o possível que se habita nele, é preciso que ele se dê conta de que seu ser é um “sem fundo”, um vazio que pode acolher tudo o que é real e ilusório. É preciso que a pessoa descubra a vocação de si mesma, as suas possibilidades. Reconhecer o vazio, o nada que nos habita, é abrir-se para todas as possibilidades. Liberdade é ser quem você é. Mas não é ser na superfície, e sim nas profundezas. E isso angustia.
Para conseguir encontrar sua essência, porém, o ser humano precisa escolher e renunciar. E esse é outro motivo de angústia. Se ele não escolhe, ele não se encontra e, portanto, não é livre. Vale a pena aqui transcrever dois parágrafos do livro “Os dois nascimentos do homem”:
“Quem não está livre para renunciar não consegue escolher, fica encalacrado nessa condição contraditória de poder escolher e de ser obrigado a escolher, porque escolher é, ao mesmo tempo, um poder e uma limitação. Se a pessoa não aprender a limitação, se não tiver a liberdade de renunciar, não poderá escolher e se sentirá torturada. Talvez o mais importante a ser pensado sobre a escolha seja isso: o fundamento do poder escolher não é a posse, é a renúncia. É que, em primeiro lugar, poder escolher significa estar livre para renunciar. Escolher uma coisa é abrir mão de uma série de outras”.
“É comprometendo-se com o escolhido que ele exerce o seu ser livre. Mas uma pessoa pode dizer: “Não quero comprometer-me com uma escolha para não perder a minha liberdade”. Se perguntarmos a ela de que liberdade se trata, ela dirá que se trata da liberdade de poder escolher, porque, depois que escolhe, perde essa liberdade. Podemos ver que, querendo preservar a liberdade, ela não age com liberdade, ela não efetiva sua liberdade. Ela não escolhe para não precisar se comprometer. Ela se comporta como quem supõe que a liberdade seja algo consistente em si mesmo, uma coisa da qual se tem a posse, que pode ser guardada, como o avarento guarda dinheiro. E a liberdade não pode ser guardada. É destruindo a liberdade, a cada vez, a cada escolha, que exercemos o ser livre”.
Compromisso é liberdade
Portanto, o compromisso não é o oposto ao ser livre, é a sua realização. Quando a pessoa se compromete é que ela pode criar suas possibilidades. Aquilo que estava vazio, encoberto, aquela possibilidade, torna-se real no momento em que a pessoa cria seus mecanismos de escolha e é livre para renunciar. “Criar é libertar o possível do encobrimento do nada… O possível está sempre lá, encoberto pelo nada. Criar é trazer ao real, é realizar. É deixar aparecer na luz aquilo que até então permanecia oculto no encobrimento.”, dizem os autores da obra.
Mas como é possível criar aquilo que é ilusório, aquilo que é apenas uma possibilidade construída pela linguagem e pelo imaginário? Obedecendo. Para quem não sabe, a palavra obedecer vem do latim ob-audire, que significa “estar disposto a escutar”. Obedecer é estar disposto a dar ouvidos a alguma coisa. Ao longo do tempo, no entanto, a palavra obedecer – como tantas outras – perdeu sua essência. Passou a designar repressão, moralidade, algo imposto e que deve ser seguido à risca. Mas é o contrário: obedecer é estar aberto à possibilidade, é não fechar-se em si mesmo. É abrir-se para o que ainda não existe, mas pode vir a ser. Ser livre é poder obedecer, é poder ouvir o outro e a si mesmo para ser livre para escolher e renunciar. Principalmente renunciar. Ouvir na essência o outro e a si mesmo é condição necessária para o amor. Portanto, suficiente para ser livre. Como dizia Hélio Pellegrino (1924-1988), só aprende a ser livre quem aprende a amar. E isso é tarefa árdua e recompensadora para uma vida inteira.


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